Práticas para promover a leitura em sala de aula
Leitura na sala de aula: tarefa escolar ou prática interativa real?
1 – INTRODUÇÃO
Qual é o papel da escola no que diz respeito ao ensino de nossa língua materna? Acredito que é algo no âmbito da formação de cidadãos capazes de interagir com o outro e com mundo à sua volta, de modo adequado e competente, oralmente e por escrito, para que possam se inserir de pleno direito na sociedade e ajudar na construção e na transformação dessa sociedade.
Para cumprir esse papel, cabe à escola, então, criar condições para que seus alunos desenvolvam habilidades para usar a língua nas mais diversas situações comunicativas reais e, também, propiciar uma constante reflexão sobre esses usos. Esse trabalho deve ser contextualizado e partir do conhecimento que os estudantes possuem, sobretudo no que tange à língua, que é aprendida e usada pelos indivíduos, em alguns contextos, antes do início da fase escolar. No entanto, para efetivamente alcançar esse objetivo
a educação precisa deixar de lado seu paradigma conservador de transmissão do conteúdo disciplinar e se voltar para a contemporaneidade, que está a exigir, cada vez mais, professores e alunos leitores e consumidores dos meios de comunicação, mas críticos e ativos, que saibam discernir acerca das informações realmente relevantes e, a partir daí, tenham condições de construir um conhecimento significativo (PAROLI & ALMEIDA JUNIOR, 2008).
Nesta perspectiva, o jornal se constitui como um valioso instrumento de trabalho para o professor de língua portuguesa, porque possui a palavra como objeto e atua como espaço para as seguintes atividades: aprendizagem de várias visões de mundo; conhecimento de uma série de assuntos e reflexão acerca da realidade do mundo. No momento em que se ouve ou se lê um jornal, o cidadão passa a conhecer o contexto social e político do próprio lugar onde mora e de outros lugares.
Faria (2006) afirma que, através das atividades com jornais, na sala de aula, é possível estabelecer laços entre a escola e a sociedade, porque o jornal é um meio de comunicação e de divulgação de acontecimentos recentes que circula no dia-a-dia do aluno. A autora considera o jornal como exemplar suporte de textos, como fonte primária de informação, como formador do cidadão, auxiliar na formação geral do estudante, portador de textos autênticos e de registro da história corrente. Por tudo isso,
[…] O interesse em levar o jornal à sala de aula como instrumento pedagógico tem crescido de ano para ano no Brasil. Secretarias de Educação, jornais e TVs educativas têm apresentado programas sobre o assunto ou organizado cursos de atualização para os professores. Todas essas iniciativas são excelentes, porque elas não só enriquecem a pedagogia da informação, como permitem trocas de ideias e um diálogo através de textos e relatos de experiências (FARIA, 2006).
O jornal enriquece as atividades de ensino e aprendizagem nas escolas, pois ele traz, diariamente, os fatos ocorridos na sociedade, bem como todo um conjunto de serviços que são de vital interesse a todo cidadão. Por isso, acredito que o uso do jornal durante as aulas estimula os educandos a refletirem sobre temas atuais, a exercitar as capacidades de atenção, síntese, comparação e análise, melhorando o poder de argumentação e senso crítico.
No âmbito do jornal, o gênero notícia merece ser trabalhado em sala de aula com bastante empenho e detalhamento. A notícia, gênero básico do jornal, relata um fato do cotidiano considerado relevante e é um gênero genuinamente informativo, no qual, em princípio, o jornalista não se posiciona, ou não deveria posicionar-se, pois o que vale é o fato. Segundo Faria e Zanchetta (2005), notícias são:
…informações sobre um acontecimento, considerado, por quem publica, importante ou interessante para ser mostrado a determinado público. Sobre esse fato são observadas, entre outras, as seguintes características, para se definir se ele é ou não é notícia: ineditismo, atualidade, veracidade e o potencial de importância ou interesse que ele pode ter para uma dada parcela da sociedade (FARIA e ZANCHETTA, 2005).
A notícia caracteriza-se, então, pela divulgação do acontecimento, mas também por contribuir para a construção de uma visão de mundo, pois têm como foco informações relevantes para a sociedade. No entanto, o leitor precisa ler as notícias de modo crítico, pois não é raro ver, também nas notícias, tentativas de conduzir o leitor a determinadas conclusões. Isso é tão comum que a imparcialidade jornalística é muito debatida e, muitas vezes, entendida como um mito.
Por isso, levar notícias para o conhecimento dos alunos é relevante; fazê-los reconhecer as características desse gênero é muito importante; orientá-los na compreensão da função social dos textos noticiosos é mais importante ainda; no entanto, desenvolver habilidade de leitura crítica é essencial, ou seja, o aluno precisa identificar o fato e suas informações, mas, sobretudo, o modo como este fato está sendo tratado, quem está “por trás” do veiculo divulgador, qual é o contexto de divulgação da notícia e etc.
Para o professor, o trabalho com o suporte jornal e com os gêneros jornalísticos, em especial as notícias, se configura como uma forma de atualizar o material didático, fazendo com que as aulas sejam mais dinâmicas e interessantes; além de contribuir para que haja uma variedade de textos relacionados a temas diversos e atuais. As notícias podem ser utilizadas para o desenvolvimento do conteúdo programático, juntamente com os livros didáticos e paradidáticos, e são voltadas para públicos de diversas faixas etárias, o diferencial será o tema, o nível de reflexão e a metodologia utilizada em cada turma. Nosso diálogo, aqui, terá como foco a prática docente voltada para a educação básica, especificamente para os anos finais do fundamental e ensino médio, e enfatizará a prática de leitura.
Para o aluno, a utilização de notícias como ferramenta complementar de ensino pode despertar o gosto e/ou hábito de ler, enriquecer o seu vocabulário, a sua expressão verbal, oral e escrita; além de torná-lo atualizado sobre as questões da nossa sociedade. Também pode estimular o senso crítico e motivar os estudantes à leitura de um modo geral.
Com base nessas breves considerações, já se pode antever que o trabalho com textos jornalísticos pode gerar ricos desdobramentos em atividades de leitura, interpretação, reflexão e escrita de textos. Então, vamos usá-los em sala de aula?
2 – SUPORTE JORNAL E GÊNERO NOTÍCIA NA SALA DE AULA
2.1. Como usar o suporte jornal em sala de aula?
Não há uma receita, mas há indicações interessantes e que funcionam em minhas aulas. Vamos a algumas sugestões de trabalho!
Para se explorar o suporte jornal em sala de aula, sugiro, primeiramente, a utilização de um jornal de circulação nacional, em sua versão impressa2. Na aula com esse material, seria interessante conduzir os estudantes a uma leitura dinâmica, observando a primeira página (nome do jornal; local, data e hora de publicação; nome do diretor de redação; quantidade de exemplares impressos; preço do exemplar; manchetes e indicação de páginas internas onde as notícias se encontram), cada parte constitutiva do jornal (cadernos, seções), bem como o formato, a diagramação, as cores e a variedade de gêneros.
Na sequência, em uma segunda aula, seria interessante trabalhar com o mesmo jornal, porém, em sua versão on-line. Nesse caso, é necessário o acesso ao computador e à internet. O jornal Estado de Minas on-line pode ser encontrado neste link http://www.em.com.br/; Folha de São Paulo, neste site http://www.folha.uol.com.br/; Estadão, neste endereço eletrônico http://www.estadao.com.br/ e O Globo, neste outro http://oglobo.globo.com/. Nesta aula, o professor pode conduzir a turma a uma leitura e, depois, a uma comparação entre a versão impressa e on-line do jornal em estudo, buscando semelhanças e diferenças entre as versões, bem como suas justificativas.
Depois disso, em uma terceira aula, talvez, no ambiente da biblioteca, em mesas redondas, seria interessante trazer para os estudantes exemplares do mesmo dia de diferentes jornais de circulação nacional (como os supracitados). Em pequenos grupos, os alunos poderiam observar as diferentes diagramações, mas as semelhantes estruturais; em seguida, verificar mesmos fatos em notícias diferentes; na sequência, observar os destaques de cada jornal e, assim, inferir como a instituição jornalística se posiciona nas entrelinhas. Ao trabalhar esse último aspecto, seria interessante iniciar uma discussão sobre a questão da (im)parcialidade jornalística.
Em seguida, possivelmente em uma quarta aula, o professor poderia propor um trabalho com jornais nacionais (os já indicados) e jornais regionais, buscando compreender como se dá o alcance da informação e como ela é apresentada em favor do público a que se destina.
Para finalizar esse trabalho com o suporte jornal, seria interessantíssimo aproveitar esse furor para criar o jornal da escola ou da turma (veja maiores informações neste site http://www.jornalescolar.org.br/como-iniciar-umjornal/ ou http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-2/galeria-geografiacidadania-criticidade-identidade-escolar-premio-victor-civita-2012-730601.shtml#ad-image-4 ou ainda neste outro http://gestaoescolar.abril.com.br/comunidade/como-produzir-jornal-escolar-comunicacao-750735.shtml), para que os alunos pudessem ver seus textos em uso real. Na impossibilidade de se criar e manter um jornal impresso, a versão on-line é uma boa alternativa e uma deixa para se aliar linguagem e tecnologia.
2 O suporte jornal pode ser encontrado em versão impressa, on-line, digital, oral, televisionado. Aqui, abordaremos o jornal impresso e on-line, dadas as dimensões e limitações formais deste texto.
2.2. Como usar a notícia em sala de aula?
As notícias podem ser selecionadas dos jornais impresso e on-line indicados acima. No entanto, no momento da seleção das notícias, o docente precisar estar atento ao fato que deu origem a elas. É importante que esse fato esteja relacionado ao cotidiano do aluno e que seja de seu interesse e alcance. Para alunos das séries finais do ensino fundamental e ensino médio, procure notícias veiculadas no caderno de “Tecnologias”, presente em vários jornais impressos e on-line, pois nele costumam ter notícias que agradam em cheio a esse público.
Para melhor ilustrar o trabalho que proponho (e realizo!), vamos, a partir daqui, discorrer sobre os elementos constitutivos do gênero notícia e sobre sua função social. Aliar esses dois planos é muito importante, um não faz sentido sem o outro, pois são interdependentes. Para tanto, apresento este exemplo do gênero:
TEXTO 1:
30/04/2014 17h27 – Atualizado em 30/04/2014 17h36
Restando algumas horas, cerca de 1,5 milhão ainda não entregaram IRPF
Entrega ‘transcorreu com bastante tranquilidade’, diz secretário da Receita.
Fisco espera receber 27 milhões de documentos; prazo acaba às 23h59.
Alexandro Martello
Do G1, em Brasília
A Receita Federal informou que recebeu de seus contribuintes até as 17h desta quarta-feira (30) cerca de 25,5 milhões de declarações de Imposto de Renda de Pessoa Física 2014. O Fisco espera 27 milhões de documentos neste ano. Deste modo, aproximadamente 1,5 milhão de brasileiros ainda não enviaram a declaração.
O volume entregue neste ano, até às 17h do último dia do prazo, é inferior ao registrado no mesmo período de 2013 (26,15 milhões de documentos). A entrega, em 2014, começou no dia 6 de março e vai até as 23h59 desta quartafeira (30). Quem perder o prazo está sujeito a uma multa mínima de R$ 165,74. O programa está disponível para “download”.
“Tal qual vem ocorrendo nos últimos anos, a entrega transcorreu com bastante tranquilidade. Sem registro de nenhum problema. Tudo dentro da normalidade. Não teve congestionamento”, declarou o secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, a jornalistas.
Neste ano também está permitida a entrega por meio de tablets e smartphones desde o início do prazo legal. O Fisco informou que até 90% das declarações podem ser feitas com estes equipamentos.
Entretanto, apenas 24 mil declarações foram entregues em 2014 por meio de dispositivos móveis. Apesar da novidade não ter sido muito utilizada, Barreto, da Receita, avaliou que houve um “salto significativo” em relação aos sete mil documentos entregues em 2013 por meio de tablets e smartphones.
Os contribuintes que enviaram a declaração no início do prazo, sem erros, omissões ou inconsistências, recebem mais cedo as restituições do Imposto de Renda – caso tenham direito a ela. Idosos, portadores de moléstia grave e deficientes físicos ou mentais têm prioridade. Os valores começam a ser pagos em junho de cada ano pelo governo e se estendem até dezembro, geralmente em sete lotes.
Segundo a Receita Federal, estão obrigadas a apresentar a declaração as pessoas físicas que receberam rendimentos tributáveis superiores a R$ 25.661,70 em 2013 (ano-base para a declaração do IR deste ano). O valor foi corrigido em 4,5% em relação ao ano anterior, conforme já havia sido acordado pela presidente Dilma Rousseff.
http://goo.gl/hZmAUH, adaptado. Acesso: 30/05/14.
2.2.1. A função social da notícia
A notícia é um gênero textual muito presente no cotidiano da sociedade, pois as informações acerca dos acontecimentos atuais circulam nos meios de comunicação diariamente e despertam o interesse da sociedade como um todo. Ao desenvolver um trabalho com notícias, em sala de aula, podemos analisar informações sobre diversos assuntos, como economia, política, esporte, educação, saúde, de modo a desenvolver o senso crítico do aluno diante de temas sociais e a orientá-lo na compreensão da função social do gênero notícia, a partir do reconhecimento de pistas que comprovem que aquele texto tem função de informar algo atual e que seja de interesse de um público amplo. A notícia em foco trata de um tema ligado à economia, a Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física e, portanto, é de interesse de uma parcela significativa da população trabalhadora.
Acredito que as habilidades de leitura e interpretação de texto podem ser trabalhadas a partir da identificação do fato que deu origem à notícia e da compreensão da situação de sua ocorrência, buscando inferir possíveis implicações, se houver. Note-se que o primeiro e o segundo parágrafos da notícia em análise trazem todas as informações referentes ao fato: o quê? Entrega da DIRPF; quem? Receita Federal e Contribuintes; quando? Até às 17h desta quarta-feira (30); onde? no Brasil; Por quê? O prazo está finalizando.
No terceiro parágrafo temos um depoimento que expressa uma opinião, mas de um entrevistado, o secretário da Receita Federal. Esse depoimento está devidamente apresentado entre aspas e é um argumento que dá maior credibilidade ao fato apresentado e é positivo para o Fisco, uma vez que o depoimento traz informações favoráveis e positivas ao órgão fiscalizador.
Os parágrafos seguintes contam com detalhes sobre o fato: possibilidade de entrega da declaração por meio de tablets e smartphones, enaltecendo o processo; percentual de pessoas que entregaram o documento por esses meios; comparação do uso da tecnologia para envio da declaração no ano passado e neste; critérios para restituição do imposto e período dessa restituição; definição do grupo que está obrigado a declarar e percentual de reajuste da tabela que define o valor mínimo recebido para ser declarante.
Esses detalhes, embora importantes, são opcionais, pois o que importa mesmo são as informações contidas nos primeiros parágrafos, pois trazem os dados básicos sobre o fato a ser informado. No entanto, essas informações secundárias têm o poder de demonstrar a situação, que, como descrita, é positiva ao órgão, que parece ser organizado, atualizado e tecnológico.
2.2.2. A construção do texto noticioso
A notícia percorre um caminho antes de chegar ao leitor. Tem início com o repórter que busca o fato, passa algumas vezes pelo redator que ajusta o relato do repórter aos padrões do jornal. Em seguida, os editores decidem que lugar a notícia vai ocupar no jornal e, então, a versão final é publicada. Nesse percurso, os fatos da notícia são organizados por ordem de importância e, portanto, o “lugar” em que o texto aparece no jornal pode ser entendido, também, com uma forma de posicionamento do jornal.
Faria (2005, p. 26) esclarece que “o texto noticioso é uma forma de narração com modo próprio de organização”. Além disso, a linguagem da notícia precisa ser clara, a fim de ser compreendida por um grande número de pessoas; ser objetiva, evitando muitas caracterizações e explicações, focando apenas o fato corrido e seu contexto imediato. Também é necessário que o fato seja passível de comprovação, ou seja, que haja dados e/ou declaração de pessoas envolvidas no ocorrido.
A notícia em análise, embora possa ser considerada longa para o gênero, apresenta uma linguagem clara e objetiva, sem rodeios; as informações estão dispostas em ordem de importância e há dados estatísticos, depoimentos, referência a datas e órgãos governamentais, que dão mais credibilidade ao fato noticiado.
Nesta fase do trabalho, em sala de aula, vale discutir a questão da (im) parcialidade dos textos jornalísticos. Talvez, fosse interessante compor uma coletânea de notícias da semana, de diversos jornais impressos, e analisar o (teórico) tom de imparcialidade das notícias. Digo teórico porque a linguagem por si só é subjetiva, logo, ao usá-la não temos como ser imparciais. Há, no entanto, níveis de (im)parcialidade e, talvez, as notícias tendam a ser construídas com menos marcas explícitas de parcialidade, embora, como vimos na notícia acima, criou-se uma boa imagem para o órgão fiscalizador, através do depoimento do secretário da Receita Federal e de toda a descrição do processo, com adjetivos qualitativos, dados favoráveis e informações que revelam a organização do processo. Por outro lado, na notícia em análise, a palavra “ainda”, utilizada no título; a expressão “está sujeito”, no segundo parágrafo e “apenas” no quinto parágrafo podem ser indícios de um parcialidade implícita, de um certo posicionamento contrário ao contribuinte que ainda não fez a declaração do imposto, embora o prazo esteja quase no fim. Esta questão da (im)parcialidade pode ser analisada e comparada de jornal para jornal, de notícia para notícia, de redator para redator, e rende muitas discussões.
2.2.3. Elementos estáveis que compõem o gênero notícia
Todo texto tem características formais básicas, estáveis, que o constituem e que o diferenciam dos outros textos. A composição de uma notícia conta com dois elementos básicos e alguns opcionais, a saber:
- MANCHETE: é título dado à notícia para dar destaque ao fato; deve ser chamativa para atrair a atenção do leitor; comumente traz o verbo no presente, para dar a sensação de atualidade do fato. Na notícia em análise a manchete é esta: “Restando algumas horas, cerca de 1,5 milhão ainda não entregaram IRPF”.
- OLHO DA NOTÍCIA: é um trecho escrito em destaque, colocado logo abaixo do título, com o objetivo de completar informações dadas na manchete. No texto analisado, este é o olho: “Entrega ‘transcorreu com bastante tranquilidade’, diz secretário da Receita. Fisco espera receber 27 milhões de documentos; prazo acaba às 23h59”.
- LEAD OU LIDE: é a parte inicial da notícia, com o resumo do fato relatado; tem a intenção de atrair o leitor, conduzindo-o à leitura completa. Perguntas como o quê?, quem?, quando?, onde?, por quê? têm respostas no lead. No gênero analisado: 1º e 2º parágrafos.
- DETALHAMENTO: parágrafos seguintes, que apresentam informações adicionais sobre o fato ocorrido. Na notícia analisada: 3º, 4º, 5º, 6º e 7º parágrafos.
- FOTO: imagem que ilustra o fato. Não há na notícia analisada.
- LEGENDA: informações sobre a imagem e sobre seu produtor. Não há na notícia analisada.
Desses elementos, a manchete e o lead são essenciais à composição da notícia; enquanto os demais são opcionais, ou seja, podem ou não aparecerem no texto denominado notícia. Quando aparecem, comumente, são intencionais e marcam, portanto, certo posicionamento.
Para melhor compreensão do modo como o gênero notícia é construído, apresentamos este organograma:
2.2.4. Para avançar na atividade de leitura de notícias
Até aqui, o suporte jornal foi explorado em sua variedade, formatação e potencialidade; a notícia foi estudada sob a ótica da função e da forma do gênero e dos mecanismos e recursos linguísticos de sua construção. Agora, é hora de aliar estes conhecimentos para avançar no processo de leitura.
Sugiro que o trabalho seja feito em pequenos grupos e que cada grupo receba, pelo menos, três notícias diferentes, de um mesmo jornal, neste primeiro momento. Proponha a leitura e discussão sobre os textos. Conduza os estudantes a identificarem o fato que deu origem a cada notícia e identificar as informações relacionadas a esse fato. Feito isso, questione os alunos sobre a relevância de cada fato para a sociedade e sobre a atualidade deles. Para finalizar essa discussão, questione a turma sobre a função social, sobre a finalidade da notícia.
Em seguida, oriente os estudantes na busca de pistas linguístico-textuais implícitas ou explícitas que possam estar relacionadas à opinião do jornalista sobre os fatos. Para tal processo de verificação, indague os alunos: os textos noticiosos apresentam a opinião do jornalista? E solicite comprovação dessa resposta com base nas notícias em análise. Feita essa verificação, proponha o debate sobre a questão da (im)parcialidade jornalística. Depois desse processo de leitura, interpretação e discussão sobre a função social da notícia e sobre a (im)parcialidade jornalística ao abordar o fato, peça que cada grupo compare os elementos formais que compõem a notícia e que identifique o título, o olho, o lead (o quê, quem, quando, onde e por quê), o detalhamento, foto e legenda da foto. Certamente, nem todos os elementos estarão presentes nas três notícias em análise, até porque não é obrigatória a presença de todos para que se constitua uma notícia. A partir dessa comparação, a turma deve perceber quais elementos são estáveis, obrigatórios na constituição do gênero, e quais são opcionais, podendo ou não figurar na redação da notícia. É importante levar os estudantes a notar o motivo do aparecimento dos elementos opcionais na notícia: eles são envoltos de significação e posicionamentos.
Feito todo esse trabalho, seria interessante apresentar notícias sobre um mesmo fato, mas veiculadas em jornais diferentes ou épocas diferentes ou direcionadas a públicos diferentes, por exemplo. Com essas notícias, poderia ser dado foco ao uso da língua em veículos diferentes para se alcançar públicos também diferentes, bem como mostrar o modo como mesmo fato é tratado em diferentes notícias.
Para exemplificar, vejamos:
TEXTO 2:
19/04/2013 07h41 – Atualizado em 22/04/2013 18h41
Veja 10 situações que causam ‘revolta’ nos contribuintes do IR
Gastos com ensino de idiomas ou medicamentos não podem ser deduzidos. Não poder atualizar bem por valor de mercado também irrita contribuinte.
Fabíola Glenia
Do G1, em São Paulo
Todo ano, entre os meses de março e abril, milhões de brasileiros têm a obrigação de fazer a declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Só isso já é motivo de irritação para muita gente, mas há ainda uma série de situações que deixam o contribuinte revoltado, por entender que há distorções e injustiças no processo.
O prazo para a entrega da declaração termina no próximo dia 30. De acordo com o último levantamento da Receita Federal, divulgado na quarta-feira (17), mais de 14 milhões de contribuintes ainda não enviaram o documento.
Foi preciso um esforço para limitar a dez o número de situações revoltantes – já que a lista de queixas dos contribuintes, justas ou não, é extensa. A relação dos dez principais motivos foi formulada pelo G1 com a ajuda de Silvinei Cordeiro Toffanin, diretor da Direto Contabilidade, Gestão e Consultoria; Thiago Pessoa, coordenador do Investmania; Meire Poza, gestora da Arbor Contábil; Edmilson de Ataíde, diretor da Contek; e Rogério Massami Kita, sócio-diretor da NK Contabilidade.
As 10 situações mais revoltantes para o contribuinte são estas: 1. ter que elaborar a declaração; 2. reajuste da tabela em apenas 4,5%; 3. ter que apurar ganho de capital sobre operações imobiliárias; 4. não poder atualizar um bem de acordo com seu valor de mercado; 5. não poder deduzir todos os gastos com educação; 6. não poder deduzir gastos com medicamentos e produtos médicos hospitalares, usados fora do ambiente hospitalar; 7. inclusão de dependente somente com idade abaixo de 24 anos; 8. precisar guardar recibos e documentos; 9. pagamento de pensão sem homologação judicial não pode ser abatido no imposto e 10. cair na malha fina.
http://goo.gl/OqdbC0. Trecho adaptado. Acesso: 15/09/2014.
As duas notícias utilizadas neste artigo abordam o mesmo assunto: o imposto de renda de pessoa física. A primeira notícia, intitulada “Restando algumas horas, cerca de 1,5 milhão ainda não entregaram IRPF” foi publicada no site de notícias G1, em 30 de abril de 2014, às 17h27, poucas horas antes de o período de entrega da declaração de IRPF se findar. Essa notícia, estudada em detalhes na seção 2.2, pode ser considerada bastante característica do gênero, pois busca apresentar o fato e tratar dos detalhes do processo geral do IRPF, do envio à restituição. Todas essas informações são relevantes para público a que esse texto se destina. No entanto, nas entrelinhas, podemos perceber certo posicionamento do jornalista que, em seu texto, criou uma imagem positiva para o órgão
fiscalizador e uma imagem negativa para o contribuinte, como detalhado quando analisamos essa notícia 1.
No texto 2, intitulado “Veja 10 situações que causam ‘revolta’ nos contribuintes do IR”, publicado também no G1, também no período de declaração do imposto de renda, porém do ano anterior, 2013, o lado negativo do IRPF é colocado explicitamente. No entanto, o jornalista o faça predominantemente sob a ótica do contribuinte, embora não haja nem uma fala do contribuinte expressa no texto. Além disso, o enunciador do texto deixa escapa sua própria posição na tessitura textual, como, por exemplo, ao escolher a palavra “obrigação” na primeira linha do texto, deixando claro que o contribuinte não tem escolha, é obrigado a fazer a DIRPF; a expressão “Só isso”, que instaura uma ironia, à prática da declaração, que não é um processo fácil e dinâmico, ao contrário, é bastante burocrático, como citado na lista das dez situações que revoltam o cidadão (item 8 do último parágrafo “precisar guardar recibos e documentos”). Além disso, é colocado no texto que “há distorções e injustiças no processo” de declaração, no final do primeiro parágrafo. No terceiro parágrafo, o jornalista, enunciador do texto, marca ainda mais a sua posição, ao dizer que “Foi preciso um esforço para limitar a dez o número de situações revoltantes – já que a lista de queixas dos contribuintes, justas ou não, é extensa”. As palavras “esforço” e “queixas” denotam, mais uma vez, o lado negativo da DIRPF.
A própria apresentação da lista das dez situações revoltantes para o contribuinte no interior da notícia é uma marca de parcialidade objetiva e explícita, que visa construir o posicionamento do jornalista/jornal sobre o fato e visa criar este efeito no leitor, naquele momento.
Como se vê, modos de dizer, escolha de vocabulário, tipos de construções e outros delineiam ideologias, opiniões e, sobretudo, visam conduzir o leitor a certos entendimentos. Para não ser levado a conclusões equivocadas, ao bem querer do produtor do texto, faz-se necessária uma leitura crítica e atenta. Se a DIRPF é positiva ou negativa, não é da alçada deste texto; mas, sim, o realce para os recursos e mecanismos linguísticos e textuais utilizados para conduzir o leitor a pensar que ela é positiva ou negativa.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É evidente a necessidade de se implementar nas salas de aulas uma metodologia que verdadeiramente vise o trabalho com a leitura em sua acepção plena. Faz-se necessário uma visão de leitura como formulação de juízo sobre a escrita, um ato de questionar e explorar o texto na busca de respostas textuais e contextuais que geram uma ação crítica do sujeito no mundo.
O primeiro passo da escola pode ser: despertar o interesse do aluno pela leitura do jornal. Isso porque o jornal retrata a vida em seus mais variados aspectos. Inicialmente, seria interessante levar para a sala de aula um jornal da cidade e realizar um debate acerca de determinadas notícias; posteriormente, poderia ser organizado um jornal escolar com notícias divulgadas pelos próprios alunos, de modo que a leitura e compreensão do jornal possam ser proporcionadas de modo eficaz e gradativo.
Ao trabalhar nesta direção, a prática docente está contextualizada, vinculada ao cotidiano do aluno e, portanto, gerará aprendizado significativo, com naturalidade e funcionalidade.
ROCHA, Renata Amaral de Matos
Professora no Centro Pedagógico da UFMG e doutoranda em Estudos Linguísticos pela FALE / UFMG.